
Meu avô chegou um dia,
com o olhar cheio de afeto;
me disse: - senta meu neto,
precisamos conversar...
Tu já és um rapazito
e eu te trago um regalito,
que há tempos guardo comigo,
e hoje eu quero te entregar.
Fiquei olhando assustado,
querendo entender direito;
meu avô, com o mate feito
e um velho pala na mão,
em meio aos arreios gastos,
ainda cheirando a pasto,
com a alma inteira pilchada
me ensinou o que é Tradição.
Ali mesmo, no galpão,
desenhei o meu destino;
talvez fosse um teatino
por esse mundão sem fim,
ergueria minha morada
ao longo dessas estradas,
com a vida presa ao estribo
e a pampa estendida em mim.
Descobri que o mate amarga,
mas ensina a meditar;
aprendi a cabrestear
as manhas do coração;
achei, em meio aos pelegos,
mais que abrigo, o aconchego
que vem povoar o meu mundo
no silêncio do galpão.
A Tradição não se muda,
é fé que resiste ao tempo,
é a voz, trazida no vento,
pelos nossos ancestrais;
coisas que a vida inventa
como esses céus de tormenta,
que se armam dentro da gente
e temperam meus ideais.
Nesta mala de garupa,
que sempre trago comigo,
mais que parceira é abrigo
pra alma nas noites frias,
nela guardo meus peçuelos,
que servirão de candeeiros
para alumbrar os meus passos
na estrada escura e vazia.
Nesta tarca legendária,
que guarda ecos de tropa,
onde meus sonhos galopam
como a resgatar um tempo;
que tinha por serventia
a contagem da gadaria,
que o meu avô tropeirava
debaixo de sol e vento.
Eu sou um Tradicionalista:
sou jovem, forte, guerreiro!
Meus filhos serão herdeiros
dos sonhos, que hoje são meus.
Meus avis de montaria
por eles serão usados;
não ficarão pendurados,
como peças de museu.
Quem sabe, um dia, um piazito
pilchado, bem a preceito,
siga meus passos – meu jeito
e os meus causos ficarão
nos subúrbios das memórias,
onde sesteia minha história;
e venha adoçar a prosa
nas rodas de chimarrão.
Perdido nos meus silêncios
rebusco velhas verdades,
milongueando uma saudade
que vem povoar o galpão;
pego o violão companheiro,
com quem vou puxando prosa
na teimosia mimosa
de viver a Tradição.
Tapeio os olhos do tempo,
peregrinando horizontes,
como a beber de uma fonte
sempre ao alcance da mão.
O passado vive aqui
na imagem de um guri,
com a vida presa às raízes
e a alma longe do chão!