
Um manojo de recuerdos
revive, longe do pago,
as mesmas velhas saudades
do que já tive e perdi;
e os pensamentos transcendem.
Alço asas
e, num sonho de retornar ao que fui,
tranço milongas nos dedos
das guitarras do meu ser.
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Encontro o bugre charrua
- que habita em mim -
gritando em noites de lua,
na ode à incompreensão
dos seus costumes “selvagens”;
e sinto o bradar das vozes
da matança e da barbárie
que, de tempos tão longínquos,
ecoam até agora.
Encontro o taura-andarilho
- melena, cara-tostada -,
que traçou na geografia
um resumo do que sou;
e me renova a vontade
de cortar os quatro-ventos
com a aba do sombrero,
e deixar marcas de cascos
pelas mesmas sendas pátrias
que já cruzei no passado,
no meu andejar sem rumos,
à procura de mim mesmo.
Entretanto, como no passado,
cansei-me de tanto andar,
e venho a nascer querência,
na simplicidade
de não almejar ser algo
que já não houvera sido.
E um pequeno pórtico de sonhos
faz de mim um centauro-guardião
de um pequeno pedaço
de universo de coisas minhas,
ao qual chamei de pago,
querência!
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Revivo a figura do meu pago
e as formas de um fortim,
formado de pedras;
terreiro, mangueiras e galpão
- aos quais meus sonhos
rodearam de lembranças -
fazem de mim - ao longe -
um simples eco do que já fui,
como um lamento.
E o mesmo nó na garganta
- sentido ao deixar meu pago -
se faz presente comigo,
nos intrínsecos caminhos
de mim mesmo,
como um peçuelo guardado
na mala-de-garupa
dos meus sentimentos.
Retorno à simplicidade
da gadaria-de-osso,
como um marco de memória
à criança que já fui,
o mate da tardezita,
à sombra dos cinamomos,
os contados dos mais velhos,
as conversas de galpão,
as lidas do dia-a-dia:
encilhar de manhãzita
e sair ringindo os bastos,
sentindo o cheiro dos pastos
aromando o coração;
e a alvorada repontando
um restolho de estrelas
da tropa da noite, que já se foi.
Os apartes de mangueira,
a esquila, o carneador;
um longo ronco de mate
- onde troteiam solitos
meus pensamentos mais livres,
simplicidade terrunha
resumida em harmonia.
E os cerros, como querendo
endereçar um postal:
marca-saudade
aos mais profundos lugares,
que a distância do meu pago
me fez conhecer em mim.
E sinto, como se cada flechilha,
cada flor de corticeira,
cada pedra do terreiro,
cada esteio do galpão
representassem um infinito
vazio-saudade
no meu proscrito exílio
de andar longe.
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Os arroios do tempo correm,
correm para um sempre
não-mais voltar;
e a criança que fui, que sou,
sempre serei,
vive escondida em meu peito,
à sombra do adulto inconforme,
como um diarista de mim mesmo.
Minha querência mudou,
os tempos também mudaram;
e eu não pude acompanhar.
E o mesmo bugre charrua,
e o taura cara-tostada
dos meus ancestros recuerdos
- póstuma residência em mim -,
quando a saudade se mostra
já não conseguem calar.
E, por isso,
um manojo de recuerdos
revive, longe do pago,
as mesmas velhas saudades
do que já tive e perdi.
E, assim, nesses instantes,
a guitarra parafraseia
os sentimentos que trago.
E o coração se revolta
com a passagem dos tempos,
a mudança nos eventos;
o pensamento confunde,
cresce o aperto no peito,
vertem vertentes dos olhos;
e o semblante ensombrecido,
revelando a nostalgia.
E o manojo de recuerdos
vai crescendo despacito;
e o tempo, este passou:
eterno não retornar
tanta saudade que tenho…