
O pai, em casa, era uma autoridade,
dizia o que podia e o que não podia;
determinava o certo e o errado.
A voz do pai era uma voz sagrada:
grave, pausada para dar conselho;
firme e bem forte, pra passar as ordens.
A voz do pai sabia contar causos...
causos que ouvira seu pai contar.
Era uma vez... E lá vinha uma história...
com bichos que falavam, gente que voava,
magos poderosos e casas assombradas.
E a gente, tão criança e inocente,
galopava na garupa da imaginação.
Quanta emoção a voz do pai nos transmitia.
À mesa, hora da janta, ninguém se servia
antes de ouvir o pai, rendendo graças.
E a família, reverente: olhos fechados;
ao fim arrematava num... amém!
E os versinhos que o pai dizia,
ninguém sabia tantos quanto ele:
Eu sabia tanto verso,
eu sabia um saco cheio;
as formigas me bateram,
me deixaram pelo meio.
E às vezes... às vezes o pai cantava;
e o pai cantando era a cantiga mais linda que eu ouvi....
Modinhas, hinos, ternos oilarai... e a filharada fazia coro;
e cada um, com sua voz, queria imitar a voz do pai.
A voz do pai tocava os bois na canga:
Barroso!... Cola branca!... Êra boi!...
E chamava o cavalo no potreiro: ô, ô, ô, ô;
e atiçava o cachorro nos gambás:
fiu, fiu, fiu, fiu, pega, pega, pega...
E os bichos - até os bichos! -
conheciam e obedeciam aquela voz...
A voz do pai tinha hora pra tudo;
pra dar uma risada de um causo bem contado,
ou pra ralhar se a gente desleixava...
Barbaridade!
Quando aquela voz trovejava uma ameaça,
fazia a gente estremecer de medo;
talvez fosse melhor dizer: respeito!
A voz do pai só nunca soube se queixar de nada;
gemer até podia, se a dor era muita;
chorar se permitia, pelo sentimento.
Mas um queixume, uma lamúria ou maldição,
isso jamais se ouviu da voz do pai.
A la pucha...
Parece que foi ontem...
É tão viva a lembrança,
que parece que ainda ouço tua voz,
meu velho!
E, às vezes, quando falo com o meu filho,
dou rédea ao sentimento; e o som que sai
me faz escaramuçar o coração no peito...
pois ouço, de mim mesmo, a voz do pai!