
Numa tarde de mormaço,
No descambar da primavera,
Na varanda de uma tapera,
Sentado num banco baixo,
Um Ãndio tecia um laço
Com o couro de um tambeiro,
Que morreu num atoleiro,
Lá na restinga do passo.
O laço que o quera trançava
Não era laço de verdade,
Pois era na realidade
Lacito de brincadeira;
A miniatura campeira,
De oito tentos bem sovados,
Com capricho desquinado,
Lonqueado à sua maneira.
Fui me aproximando do taura,
Despacito, imaginando
No que estaria pensando
Esse velho coronilha,
Arrematando a presilha,
Prendendo a argola à ilhapa,
Bordando à ponta de faca,
Com perÃcia e maestria.
Prendi um grito, na chegada,
Que foi de extraviar quero-quero;
E aquele homem sério
Retrucou de prontidão,
Com a rodilhita na mão,
Num vozeirão de toda a goela:
Tapera não tem tramela
Nem cadeado no portão.
Postado feito um monarca,
Num jeitão meio engraçado,
Ameaçou um reboleado
Com o lacinho de brinquedo;
A armada ajeitou com os dedos,
Bem retovados de calo,
Como se fosse dar um pealo
De sobre-lombo, no varjedo.
Naquele gesto matreiro,
No olhar trêmulo e cansado,
De pronto entendi o recado
Que o Ãndio estava me dando;
De certo estava tateando,
No instante do reboleado,
Laçar o próprio passado
Na invernada de desengano.
Ou, ainda, relembrando
A dura vida de tropeiro,
Quando foi culatra e ponteiro
De boiadas e tropilhas,
O mestre maior de encilha,
O tapejara estradeiro,
O gaudério candongueiro,
O graxaim das coxilhas.
E na hora da despedida,
Na saÃda da porteira,
Recostado na tronqueira,
Sesteando sobre o garrão,
Num derradeiro chimarrão,
Soletrou com embaraço:
Poeta, leva contigo o laço
de lembrança deste peão.
Desde então guardo comigo,
Com carinho enrodilhado,
Nesse gancho, pendurado
Na parede do galpão,
Esta singela recordação,
Fonte viva de poesia,
Que ganhei naquele dia
Do campesino artesão.
E no embretar da história
Da relÃquia de couro cru,
Tropeando foi-se o chiru,
Paleteando o seu bagual,
Rumo à estância celestial
Do Patrão Velho buenacho,
Se juntar ao Tio Anastácio,
De Jayme Caetano Braun!