
Pajador Adão Bernardes
Dei rédeas para a memória
voltear uma rima campeira,
que fosse igual a uma tronqueira,
dessas que escora bagual.
Esta rima é ancestral,
não há modismo que abrande,
e por onde quer que ande
será semente e raiz,
pois é a forja e matriz
do verso do meu Rio Grande.
Minha rima traz na garganta
a certidão de onde venho,
e esta ânsia que eu tenho
de cantar campo e querência
é seiva da xucra essência,
curtida entre mil peleias;
rebenta laço e maneias,
liberta lenda e mistério,
e deixa o sangue gaudério
escramuçando nas veias.
É o choromingo do vento,
nas catedrais missioneiras;
é o chiado das chaleiras,
nas trempes sobre o borralho;
é a fina gota de orvalho,
nas folhas da pitangueira;
sanga, pedra e corredeira,
no fundo de alguma grota;
é água pura que brota,
matando a sede povoeira.
É rancho, abrigo e morada,
na costa de algum capão;
fumaça e fogo de chão,
nas noites frias de inverno;
é guarda fogo de cerno,
é cuia, erva e cambona,
cantador, voz e cordeona,
mistura de pasto e terra;
clarins e hinos de guerra,
numa vaneira gaviona.
Minha rima canta entreveros
de adaga, lança e espada,
História que foi gravada
pra perpetuar uma raça;
foi curtida na fumaça,
nos fogões de acampamento;
é bóia que dá o sustento,
pra quem meu verso escutar;
e faz o coração corcovear,
eivado de sentimentos.
Minha rima é tropilha mansa,
troteando direito à aguada;
é sombra à beira da estrada,
para fugir do mormaço;
é xerenga de bom aço,
num churrasco de picanha;
é o trago bueno de canha,
com seu gosto abarbarado,
e que se toma oitavado
num bolicho de campanha.
É desta rima que brota
o verso tradicional,
trazendo marca e sinal
da pampa venta rasgada.
Por isso foi perpetuada
na garganta dos tenores,
nos galpões e corredores
desta querência bagual,
e se tornou imortal
no canto dos pajadores!