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22/02/2010
11:20:38 |
PRELÚDIO A UM CAMPO MORTO |
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Uma grota, uma sanga
e um rancho a beira-chão,
assim era o meu rincão
na costa do Caiboaté;
a casa tinha parapeito,
onde nas noites de lua
a alma se postava nua
pra assoviar um chamamé.
Um jardinzinho na frente
contraponteava o palanque;
um potreiro, logo adiante,
pra’o pastejar do aguateiro;
a madre-silva de cheiro
sombreava a cachorrada,
que dormia esparramada
no conforto do terreiro.
Um açude, feito espelho,
bem pro lado do nascente,
em que a lua espiava a gente
nas noites de Primavera,
onde as estrelas cadentes
mergulhavam incandescentes
pra esconder suas quimeras.
Bem no moirão da porteira,
de frente pro corredor,
um João-de-barro chismeiro,
no seu ofício de oleiro,
se arvorou de morador;
de manhã tocava alvorada,
só pra acordar sua amada
e declarar o seu amor.
Naquele rancho campeiro
se aquerenciou a amizade,
ali morou a verdade
ajoujada com a bonança;
era o baú de lembranças
que eu carregava em glória,
pra guardar a minha história
dos bons tempos de criança.
Todo pássaro sai do ninho
no dia em que cresce a asa,
eu também saí de casa
e abandonei meu cantinho,
amarguei reminiscências;
agora, volto à querência,
cansado de andar sozinho.
Antes não tivesse vindo,
pra ver o que vejo aqui,
o lugar em que nasci
com as cercas derrubadas;
onde olho é terra virada,
taipa e ronco de motor;
é o prelúdio do horror,
a própria essência do nada.
O sangue escuro da terra
tingiu o campo do fundo,
abriu-se um sulco profundo,
mais que na pampa – na alma;
a sanga que vagava, calma,
morreu por soterramento,
e a grota por envenenamento
com a ganância do mundo.
No lugar da velha morada
restou um angico solito,
como o último milico
cobrindo uma retirada;
numa gesta desesperada
fincou pé na sua trincheira,
na esperança derradeira
de salvar a invernada.
Nem a sanga nem a grota
resistiram ao progresso,
não assistiram o regresso
desse andarengo tordilho,
que sonhou legar aos filhos
a pampa íntegra e pura.
Porém, a volta foi mais dura
que uma vida no lombilho.
Os sonhos somem no tempo,
voam pra longe do alcance;
rancho, potreiro e palanque
ficaram no pensamento;
somente o choro do vento
restou pra contar a história;
sobrou apenas memórias
e o eco do meu lamento.
O clarim do João-de-barro
não tocará mais na porteira
nem a coruja breteira
descansará nas lonjuras;
só haverão desalentos,
pra quem campereou sustento
no verde destas planuras.
Dou de rédeas no meu flete
e saio batendo na marca,
com a sisma de um monarca
que perdeu o seu reinado;
vou me arranchar no povoado,
no balcão de alguma venda,
beber saudades da fazenda
e ruminar o meu passado.
Venho basteriado de tempo
e das andanças machaças;
vou afogar na cachaça
minha vocação de campeiro.
Depois de velho... povoeiro,
sobrevivendo de changa,
me enterrem junto com a sanga,
quando apagar meu luzeiro! |
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Autor:
Jorge Claudemir Soares |
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Poesia enviada Por:
Jorge Claudemir Soares - Uruguaiana / RS |
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Observações:
Obra defendida na 13ª Sesmaria da Poesia, de Osório-RS, com a interpretação de Franco Ferreira, amadrinhado por Daniel Canis ao violão. |
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17/03/2010
17:41:37
Hildemar Cardoso Moreira - Contenda / PR - Brasil |
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Caro poeta Jorge. A tua poesia me fez recordar o dia em que, depois de muitos anos, voltei à minha Terra Natal, com a esperança de rever todas as coisas que guardei na lembrança. Mas nada do que vi existia há mais de 70 anos, e creio que a saudade me fez sentir vontade de voltar ao passado que o progresso apagou. Bela poesia! Parabens! |
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Sítio:
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