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12/10/2009
11:45:35 |
CARTA ABERTA AO GURI QUE FUI |
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Quando vim de lá, trouxe quase tudo, tudo o que cabia na velha mala sebruna; e nos anseios, de horizontes largos, ficou um potro cabos-negros, ausentado de quem cavalgava al pedo, ao sabor dos ventos; ficaram os meus tão queridos, que ainda, hoje, povoam meus recuerdos, junto a outras tantas bem-queranças, que me foram acrescidas pela estrada; ficou um amor não resolvido, eternizado em sonetos tolos e ingênuos.
Fui guri plantado a beira-rio, onde a prata dos lambaris cintilavam ao ouro-sol do verão, bailando ágeis pelas corredeiras, emolduradas de aguapés e sarandis. Na retina guardei imagens de mal-me-queres desfolhadas, gosto doce das frutas silvestres, aroma de anis e maçanilha, que compuseram sutil sinfonia, criando contornos às minhas distâncias.
Aos torvelinhos se intercalam, na lembrança, lentas imagens da paisagem da querência; capões de mato, enclausurando centenárias casas, onde dormitam amarelados retratos nas paredes, como guardiões de uma história meio bruta, perenizada na dureza dos relatos; rios preguiçosos, onde se espelham cerros grandes e costeiros fantasmas perambulam, na boca larga dos causos e das lendas. Deste cenário eu vim, partido, repartido, ombreando o fado de moldar sonho e destino, ao som longínquo de um clarim em retirada.
Hoje, tenho certeza que não vim de todo: ficou uma parte, partida, vagando nos campos floridos da infância; talvez, por isso, vez por outra volte à pequena e plácida cidade, esculpida no alto da coxilha, entre a Serra Geral e o Planalto; busco elos, peças em falta no intrincado quebra-cabeças, que paciente e perseverante vou montando ao longo dos dias, para entender donde vim e pra onde vou.
Me reencontro em parte, aos poucos, quando o disperso imaginário me transporta em fantasia: olhar sonhador, plasmado na frágil e glácil silhueta da professorinha da escola rural, que serena e mansamente desfiava contas e contos, talvez sem se dar conta de um amor primeiro e singular, que aprisionou-se nos fundões do subconsciente, para renascer ao ensejo de lembranças fugazes.
Por isso, à noite, quando o sol se põe e a lua branda se recorta ao céu, dou asas a meus devaneios; despacito, vou me enfurnando lejo, no campo largo das reminiscências, onde vagueiam inocentes pirilampos; campeio um jeito de voltar atrás, junto a coragem pra rever estragos, que cimentaram no caminho andado; pois, só um rosto numa foto antiga, amarfanhado no desalinho das gavetas, liga o real e o meu faz-de-conta
Se eu não voltar para ficar, contudo, viverei poetando esta saudade linda, que acalma a dor e aproxima os longes; mas, volta e meia inverterei o rumo, traçando estradas como um peregrino, buscando imagens, gestos, paisagens que amenizem o passar dos anos; jogarei linhas de espera nos remansos, irei à escola, ver se alguém desfia contos e contas, como antigamente; e ao retornar terei certeza, enfim, haver encontrado o guri que fui! |
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Autor:
Moisés Silveira de Menezes |
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Poesia enviada Por:
Bombacha Larga - BrasÃlia / DF |
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Observações:
Poesia interpretada por Loresoni Barbosa, na 2ª Quadra da SESMARIA DA POESIA GAÚCHA, de Osório-RS, em setembro de 1997. |
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