Tem a vida suas agruras,
Tem a caça as aventuras.
Eu as caças sempre amei
Como as guerras ama um rei.
Se na idade medieval
Era a caça afã real...
Se nos tempos que lá vão,
Foi dos ricos ganha-pão...
Eu por isso como um rei
Este esporte sempre amei.
É verdade: mil perigos
Traz a caça aos seus amigos.
Quantas vezes me perdi
Pelas margens do IjuÃ!
Quantas vezes com as feras
Tive lutas bem severas!
Inda trago na memória
Destas caças, uma história:
Ela deu-se em Cerro Largo
Neste Sul, sem desembargo:
Foi num árido dezembro,
Seca braba, bem me lembro...
Esta seca foi tão forte,
Que era mesmo pouca sorte!
Nosso milho foi nascendo
E na proporção morrendo;
Ao feijão já vi morrer
Antes mesmo de nascer!
- Nada tenho que fazer,
Fui dizendo - que lazer?
Isto assim não pode estar,
Todo o dia a preguiçar!
Vamos ver se nós podemos
Ir à caça, pelo menos...
Encilhei o meu bagual
E rumei pro matagal.
Pus o Felix na coleira
E o fuzil em bandoleira;
- Foi o pai do meu papai
Que o achou no Paraguai.
Trinta balas, por ventura,
Carregava na cintura;
Na bainha meu facão,
Mais idoso do que Adão.
Nem me pude deslembrar
Dos crioulos pra fumar -
Charutões de meio metro
Mais estimo do que um cetro...
Embrenhei-me mato adentro,
Sempre andando, até seu centro.
Cruzei vales, cruzei montes,
Cruzei brejos, cruzei fontes.
Encontrando um bom lugar
Resolvi ali parar.
Amarrei meu Malacar
E deitei pra descansar.
Na esquerda meu cusquinho,
Na direita o fuzilinho.
Quando a noite foi chegando
Eu sonhava, já roncando...
E dormia satisfeito...
(Pra dormir eu tenho jeito!)
Redepente... que foi isso?
Despertou-me um reboliço!
Que clamores endiabrados!
Que tropel de meus pecados!
De jaguar’s um batalhão
Se medindo com meu cão.
Mas o Felix combatia
Com bravura e valentia.
Malacar — bagual gentil
— Repartia coices mil.
Levantando-me ligeiro
Me ostentei também guerreiro:
Meu fuzil eu agarrei,
Trinta chumbos disparei.
Já não tendo mais cartucho
Do facão então eu puxo.
Mal um golpe eu tinha dado
Tilintou despedaçado.
Fez primeira em suas refregas
Viu-se inerme então o degas.
Tremebundo pelo escuro,
Meu bagual então procuro.
Pressuroso, me assentei
No seu lombo e lhe bradei:
Upa, upa, upa sus,
Meu cavalo, cataplus!
Toca, toca já pra fora
Deste inferno sem demora!
Meu bagual desenfrenado
Corre, salta qual veado...
Eu pensei: — Cavalo nobre,
Mais potente que um gás-pobre!
Fomos indo assim adiante
Sem parar nem um instante.
Abordando o rio Ijui,
Baita cena ali vivi;
Pois o bom do meu bagual
Foi comigo pro caudal.
E o “riozito” é sempre inchado
Com as águas do Encantado.
Fui dizendo adeus ao mundo,
A quem tinha amor profundo.
Mas o bom do meu bagual
Era um tipo sem igual.
Quando o menos esperava
No outro lado já me achava.
Novamente me firmei
No seu lombo e lhe gritei:
- Upa, upa catrapús,
Meu cavalo, upa sús!
Toca, toca já pra fora
Destas águas sem demora.
E o bagual desatinado
Corre desencabrestado.
E o cãozito atrás seguia,
Nem o chão mais atingia;
As orelhas afilava
E o rabinho espiralava.
Quando entrei no povoado
Cerro Azul denominado,
No horizonte a lua vinha
Qual vintém, tão redondinha.
Quando o degas lá passou
Todo mundo se alarmou.
Os piazitos a gritas
Começaram de escapar.
A polÃcia se assustou,
Acorreu e perguntou:
- Que é que tendes minha gente,
Tanto frege de repente?
As mulheres se benziam;
- TÂ’arrenego, xiii... diziam.
Ai que dor no coração
Não passou o sacristão!
Foi de grito pra canônica,
Lançando a bomba atônica.
Lá num gordo negociante
Quis tomar fortificante.
Mas que susto! pois o bicho
Deu um salto no bolicho.
Pra ver quantos temebundos
Parecia o fim dos mundos.
Meu cavalo corcoveou
No negócio, e se empinou.
Foi então que reparei
Toda a história e me assustei.
Enriçaram-me os cabelos
Caiu-me a alma nos chinelos.
Foi medonha a minha sorte
Pois montara a própria morte!
Era hora em Cerro Largo
De tomar o mate amargo.
Eu trocara o Malacar
Pelo lombo de um jaguar.