
Mãe preta, Óleo sobre tela de
Lucilio de Albuquerque
Mãe preta, filha do pampa,
criando filhos e filhos:
os que o seu ventre gerou
e os filhos do sinhozinho,
que com zeloso carinho
em seu seio alimentou!
Quantas noites tu passastes,
ao derredor de um foguito,
aquecendo a solidão,
numa aflita inquietação
do choro dos inocentes,
que ninavas, ternamente,
murmurando uma canção.
Filhos brancos e negros,
filhos do amor e da bondade;
na cruel desigualdade,
o seu coração pisado,
pois via o amado filho
ser açoitado, vendido
em leilão, igual o gado!
Mãe negra que trazia
em seu colo o amor profundo...;
filhos perdidos no mundo,
sem nunca saber porque,
que lhes tiravam dos braços,
partidos em tantos pedaços;
um coração a sofrer!
Querendo saber do filho
que o patrãozinho vendeu,
como um cãozinho qualquer,
mãe negra não tem o direito
de ver seu filho crescer,
de acalentá-lo em seu peito,
carregando sua cruz
multiplicada de espinhos,
arrancada aos pedaçinhos
da alma dessa mulher!
Mãe negra, que ensinou
o caminho do perdão,
que se perdia de seu filho
pra criar o do patrão,
sempre tinha uma oração
nos lábios tristes, marcados,
num sorriso escravizado:
uma sombra de aflição!
Num silêncio de oratório
soluçava seus segredos,
entrecortados de medos,
num pranto de mansidão;
embaçava-lhe a visão,
onde uma luz acendia,
aos pés da Virgem Maria,
seu manto de proteção!
Mãe negra: a fronte prateando
de tantos rudes janeiros,
a sofrer e a trabalhar;
secando o suor do rosto,
debruçada num fogão,
a remexer seus quitutes,
pra que o sinhozinho branco
aumentasse seus dobrões:
fortunas adquiridas
vendendo e roubando vidas
na cruel escravidão,
com seus trajes requintados,
enquanto os negros, coitados,
rodavam de pés no chão!
Numa senzala sombria,
parindo crias e crias,
a mulher escrava de outrora:
a pele negra, retinta,
mas no olhar, bem distinta,
a altivez de quem chora!
Silêncios emudecidos,
soluços entrecortados
numa canção de ninar,
que nunca foi esquecida.
Minha mãe preta, querida,
hoje quero te abraçar!
Ficou na voz do silêncio
um afago a sussurrar;
as tuas mãos ‘asperosas’
guardavam perfume das rosas,
que colhias pra ofertar!
Apesar do que sofrias,
sabias acalentar!
Negras mãos, rudes e ternas,
numa doçura materna
de proteger e amar!
Quisera ter uma estrela,
pra iluminar o meu verso
e te ofertar o universo
de amor que aqui semeastes,
dos filhos que tu criastes,
que sequer lembram de ti;
mas fazes parte da História,
na alma e na memória
do Rio Grande, onde eu nasci!