
Adenir Paz da Silva
Foto: bombachalarga.com.br
Até onde vai esse teu olhar,
velho tropeiro,
perdido nessa estrada de lembranças,
repontando tropas extraviadas de saudades?
Ah! E que saudades gaudérias,
onde te vês mirando horizontes,
através da forquilha das orelhas
da tua mula ruana.
E quantas e quantas viagens tu fizestes,
todos os dias,
mateando saudades e encurtando distâncias,
montado em teu pensamento,
buscando lonjuras do teu passado!
Faz um bom tempo que deixastes
a tua querência, velho tropeiro;
mas o que te consola
são essas viajadas macanudas,
que vivencias todos os dias
na hora do teu chimarrão,
mas que também te judia,
ajoja o teu coração.
E que saudade que tens do teu pago!
Te transportas, então,
e fazes o caminho de volta,
lembrando cada pouso, cada aguada,
cada detalhe de tantas e tantas tropeadas.
Ouves, ainda, a ecoar pelos cerros,
o cincerro da égua madrinha
te apontando o caminho.
Sabes cada passo, cada atalho.
Não tens pressa, porque tu sabes
que a tropeada é longa
e não adianta atropelar a tropa,
por isso tens a certeza da chegada.
Tristezas e alegrias vão contigo,
nessa viagem de volta;
a esperança de encontrar o teu pago,
a tua querência, que há muito deixastes.
A curiosidade fica bombeando
a tua vontade em rever
tudo aquilo que ficou
guardado em tua memória.
Será que vai dar vau no arroio,
em que tomavas banho quando piá?
Será que os teus amigos e parentes
estarão vivos, para recebê-lo?
Será que o frondoso pé de camboatá,
em que subias, conserva ainda aquela sombra,
em que tu repontavas, de mentirinha,
a tua tropa de ossos?
Será que ainda existe aquela taquareira,
onde tiravas os mais belos fletes,
para a tua lida campeira-mirim?
Perguntas que aumentam a tua vontade de voltar;
mas, ao mesmo tempo, um receio sebruno,
em não ver mais aquilo que deixou.
As recordações vão se amontoando,
no transcorrer dessa tropeada,
sempre repleta de uma saudade baguala,
que agita o coração
e faz com que uma cerração de inverno
venha toldar o teu olhar,
se misturando com a erva,
que fica úmida no bojo da tua cuia,
velho tropeiro!
Limpas, com as costas das mãos,
a emoção que transborda através dos teus olhos;
ajeitas a erva e voltas a bombear
a tua tropa de saudades,
que desce depressa um lançante,
que vai desembocar na lagoa da tua lembrança.
E a tropeada prossegue,
sempre vencendo lonjuras
e deslumbrando horizontes.
Como sabes, o caminho não tem mais mistérios
e segredos que tu não conheças.
Com o passar do tempo, quase tudo virou saudade,
recordação, lembranças...
E tu te vês tropeando o teu passado,
através da tua memória de gaúcho.
Te consideram maluco, mas não ligues.
Talvez não entendam essa tua atitude
de todos os dias matear solito,
com o olhar parado,
bombeando horizontes,
tropeando o tempo para matar saudades!