Carreta...
Senhora do Mundo,
viandante da História,
aos quatro cantos da terra;
rastreando derrota e glória,
cruzou mares,
varou vales,
andou mapeando detalhes,
rabiscando na memória
a marca da trajetória,
forjada a coice de boi.
Senhora do Tempo,
suportando sóis e ventos,
sempre agüentando o repuxo!
Ao açoite das invernias
transportaste só agonias,
rangendo triste e gemendo...
As rodas sulcando o chão
e, lerdarrona e cansada,
juntando o pó da estrada,
como viúva tristonha
amargueando a solidão.
Carreta...
Senhora da Estrada,
que andava incansavelmente,
vagarosa e lentamente,
como gaudério sem lei,
carregando avios de mate,
salame, farinha e charque,
tudo o mais de precisão,
à municiar o rancherio
dos confins do meu rincão.
Senhora abandonada;
teu rastro...
os ventos apagaram
ou as chuvaradas levaram.
Tua rezinga se perde
na boca dos corredores;
teu vulto zanza mui lento
ao olhar de alambradores
e se perde, noite adentro,
como música ao léu,
que brota da inspiração
nas vozes dos trovadores.
Senhora envergada;
a tua sombra cansada
e lenta redesenha,
nas trilhas empoeiradas,
velhas glórias esquecidas.
No vai-e-vem das estradas,
conheceu cada picada.
E, no gelo das madrugadas,
sob as duras invernias,
chora juntas congeladas...
Carreta...
Senhora sem luxo;
foi terno abrigo,
teto humilde e campeiro,
a rude casa do gaúcho.
Senhora da Guerra,
foi amparo,
foi trincheira,
foi mesa onde se delineou
o esboço do pago,
em traço austero.
E tingida do sangue guerreiro,
num genocÃdio feroz,
mapeou o Rio Grande inteiro
que deixaste para nós.
Assim,
sem nenhuma vaidade,
velha senhora sofrida,
que andejou de Sul a Norte
ao bate-cascos de boi,
te fostes para a eternidade
deixando o rastro das saudades,
na trilha dos carreteiros,
legadas para o depois...