Brotei do ventre da Pampa,
que é Pátria na minha Terra.
Sou resumo de uma guerra,
que ainda tem importância.
E, diante de tal circunstância,
segui os clarins farroupilhas;
e devorando coxilhas
me transformei em distância.
Sou do tipo que numa estrada
só existe quando está só;
sou muito de barro e pó;
sou tapera, fui morada;
sou a velha cruz falquejada,
num cerne de curunilha;
sou raiz, sol farroupilha
renascendo estas manhãs;
sou o grito dos tahãs,
coejando sobre as coxilhas.
Caminho como quem anda
na direção de si mesmo.
E de tanto andar a esmo
fui de uma a outra banda.
E se a inspiração me comanda,
da trilha logo me afasto;
e até sementes de pasto
replanto pelas vermelhas
estradas velhas, parelhas,
ao repisar no meu rastro.
Sou a alma cheia e tão longa,
como os caminhos que voltam
substituindo os espinhos;
e a perda de alguns carinhos,
velhos e antigos afrontes,
surgiram muitos, aos montes,
nesta minha vida aragana,
destas andanças veteranas
de ir descampando horizontes.
Sou a briga de touros
no gineceu do rodeio;
improtério em tombo feio,
quando o Ãndio cai de estouro.
Sou o ruÃdo que o couro faz,
ao roçar no capim;
sou o rin-tim-tim da espora,
em aço templado;
e trago o silêncio, guardado,
do pago dentro de mim.
Fazendo vez de oratório,
sou cacimba destampada,
de boca aberta, calada,
como a espera do ofertório;
como vigia em velório,
que tem um jeito que é tão seu;
tem muito de terra... e céu,
que a gente sente, ajoelhando,
de mãos postas levantando
o pago inteiro para Deus.
Sou o sono do cusco amigo,
dormindo sobre o borralho;
sou vozerio do trabalho;
na guerra ou na paz - sou perigo.
Sou lápide de jazigo,
perdido nalgum potreiro;
sou manha de caborteiro;
sou voz rouca de acordeona,
cantando triste e chorona
um canto-chão brasileiro.
Sou a graxa da picanha
na bexiga enfumaçada;
sou sebo de rinhonada,
me garantindo a façanha.
Sou voz de campanha,
que nos lançantes se some;
sou boi-ta-tá - lobisomem,
sou a santa ignorância;
sou o Ãndio sem infância,
que sem querer ficou homem.
Sou Sepé Tiarajú,
Rio Uruguai, rio-mar azul;
sou o Cruzeiro do Sul,
a luz-guia do Ãndio cru.
Sou galpão, charla, sou chirú
de magalhanicas viagens;
andejei por mil paisagens,
sem jamais sofrer sogaço;
cresci juntando pedaços
de brasileiras coragens.
Sou, enfim, o sabiá que canta,
alegre, embora sozinho.
Sou gemido do moinho,
num tom triste que encanta.
Sou pó que se levanta;
sou raiz, sou sangue, sou verso.
Sou maior que a História grega;
eu sou Gaúcho, e me chega
pra ser feliz no Universo!