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Tchê Barbaridade: O Rio Grande me criou, de Walther Morais Volmir Dutra e Marcelo Noms |
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02/10/2007
10:06:13 |
O CONTINENTE - DE ÉRICO VERÍSSIMO |
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Ilustração: Herrmann Wendroth
O CONTINENTE
I - O tempo e o vento
O continente faz parte da trilogia O tempo e o vento, que Erico Verissimo escreveu entre os anos de 1949 a 1962. Se levarmos em consideração que já no final de O resto é silêncio, de 1943, o escritor Tonio Santiago (alter-ego de E. V.) imagina um livro sobre a formação histórica gaúcha através da passagem cíclica do tempo, pode-se argumentar que o autor levou vinte anos para a consecução de sua obra, que é, seguramente, o mais importante romance histórico já escrito no País.
Além disso, O tempo e o vento assinala uma ruptura com aquilo que o próprio Erico vinha produzindo, no que se convencionou chamar de sua primeira fase. Nela se percebia ainda um escritor hesitante, cheio de talento, mas incapaz de encontrar o seu verdadeiro caminho. São relatos urbanos, de temática sentimental, com observações sobre os costumes das classes médias, voltados em sua maioria para jovens casais (Clarissa - Vasco; Fernanda - Noel) que tentam um "lugar ao sol", através de existências baseadas na procura da bondade, da ética e da beleza.
A tendência excessiva de poetizar a realidade - exceto em Caminhos cruzados - conspira contra a força dramática desses livros. Todavia, ao elaborar O tempo e o vento, E. V. rompe com o sentimentalismo exagerado e com as "facilidades" artísticas da primeira fase e alcança o seu apogeu.
1. CONCEPÇÃO GERAL DE O TEMPO E O VENTO
Através dos dramas individuais localizados na sucessão de várias gerações das famílias Terra e Cambará - que se entrelaçam duas vezes - E. V. realiza uma investigação da história rio-grandense, conotando os destinos de seus personagens com os momentos decisivos da formação da província sulina.
2. ABRANGÊNCIA TEMPORAL
O continente tem a duração de cento e cinqüenta anos, iniciando com um episódio nas Missões Jesuíticas, em 1745, e terminando com o fim do cerco ao sobrado dos Cambarás, em junho de 1895.
O retrato e O arquipélago somados duram apenas cinqüenta anos, pois O tempo e o vento acaba cronologicamente em 1945, com a queda de Getúlio Vargas, que representa o crepúsculo da dominação dos estancieiros gaúchos sobre o país. Em seu conjunto, portanto, o romance abrange exatamente dois séculos.
3. O SENTIDO DOS TRÊS LIVROS
A palavra "continente" significa no romance, em primeiro lugar, o território conquistado a ferro e fogo durante os séculos XVIII e XIX. A conquista dá-se simultaneamente por ação privada e por ação estatal. A primeira, iniciada nos Campos de Cima da Serra, e comandada por aventureiros sorocabanos e lagunenses, estende-se rumo ao oeste e ao sul da região, em busca de planícies férteis para o pastoreio. A segunda é mais litorânea, através da imigração açoriana e do estabelecimento de fortificações militares pelo Estado português. Ambas confluem e se unificam, no entanto, em um grande objetivo comum: a tomada da "terra de ninguém" e do gado alçado - vacum e eqüino - que vagava às centenas de milhares pelos campos da Serra e da Campanha.
Em segundo lugar, o "continente" significa, no romance, o tempo histórico da conquista e da consolidação do poder dos estancieiros na região, associado à solidificação do núcleo familiar, originando os primeiros clãs dominantes. Aqui, "continente" significa aglutinação, coesão, esforço familiar num sentido comum. Bem diferente de "arquipélago", que traz a idéia de desintegração, fim do clã, estilhaçamento, isolamento dos indivíduos.
Se O continente traça a origem da sociedade rio-grandense, sob o controle de uma elite audaciosa e guerreira (e também machista e sanguinária) - forjada em lutas fronteiriças e revoluções fratricidas - a partir de fins do século XVIII e durante todo o século XIX; O retrato - já centralizado nas primeiras décadas do século XX - registra o momento em que os velhos oligarcas são substituídos por caudilhos ilustrados, a exemplo do Dr. Rodrigo Cambará; por fim, O arquipélago mostra não apenas a derrocada da família dirigente e a decadência política dos estancieiros gaúchos, como também a emergência vitoriosa dos novos grupos sociais, especialmente o dos alemães e dos italianos.
4. O SENTIDO FILOSÓFICO DA TRILOGIA
Em seu conjunto, O tempo e o vento não é apenas o mais notável romance histórico brasileiro, tampouco uma criação artística centrada exclusivamente sobre a formação social rio-grandense e suas origens épicas e míticas, passando pela longa hegemonia política e econômica dos estancieiros até sua derrocada, na década de 1940. É mais do que isso, é uma sutil discussão sobre o significado da existência. Verifica-se isso no confronto estabelecido dentro da narrativa entre duas forças antagônicas:
Tempo: passagem, corrosão, destruição, morte versus Vento: repetição, continuidade, permanência
Pode-se dizer que o tempo está associado aos homens, na medida em que estes antecipam o trabalho daquele, contribuindo, através da violência sistemática, com a força destruidora a que o tempo tudo submete.
Já o vento relaciona-se simbolicamente com as mulheres, porque estas representam a resistência humana contra as guerras e o instinto da morte. Para isso, Ana Terra, Bibiana Terra e Maria Valéria Terra valem-se da memória (sempre deflagrada em noites de vento). Atiçada pelas ventanias, a memória feminina restabelece lembranças dos que já partiram e, ao evocá-los, injeta neles um sopro de vida. Lembrar é, pois, resistir ao sem-sentido do tempo e protestar contra a morte.
Por isso, no final da trilogia, o escritor Floriano Cambará - sentindo-se mais próximo das recordações femininas que da arrogância guerreira dos homens - resolve salvar a memória que as mulheres conservaram de todas as experiências fundamentais da família Terra-Cambará. E registra, então, sob a forma de um romance, o mundo passado que o tempo, inexoravelmente, transformaria em pó, em nada. Para o escritor, só a arte responde à falta de significado da vida humana. Só a arte tem o poder de resistir à voragem do tempo.
As primeiras páginas do romance de Floriano Cambará terminam O tempo e o vento:
"Era uma noite fria de lua cheia. As estrelas cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta e deserta parecia um cemitério abandonado."
Fechando-se sobre si mesmo, o romance termina da mesma forma que, duas mil e duzentas páginas antes, havia iniciado: "Era uma noite fria...".

Ilustração: Herrmann Wendroth
O romance é narrado em terceira pessoa, numa linguagem tradicional. Há apenas um desvio na linearidade cronológica do texto. A ação do episódio O sobrado, apesar de ser temporalmente a última de O continente, é dividida em sete fragmentos. Estes, por seu turno, são espalhados pelo narrador dentro do volume, de maneira que o primeiro fragmento abra o livro e o último o encerre. Cria-se assim, na narração, um contraponto temporal.
O outro desvio nasce da inserção no texto de "intermezzos", isto é, de rápidos quadros - seis ao total - escritos em linguagem próxima à lírica, quase em versos, e no tempo verbal do presente. Funcionam como passagens intermediárias da narrativa central, e são verdadeiros poemas em prosa. A rigor, parecem desempenhar um tríplice papel no romance:
a) Preencher vazios, tanto na construção de personagens secundários quanto em aspectos históricos rio-grandenses que não foram suficientemente elaborados nos episódios.
b) Reforçar o caráter simultaneamente épico e brutal da conquista do território chamado continente de São Pedro.
c) Apresentar um contraponto social, na figura dos Carés, gente sem eira nem beira, desvalidos, arranchados na fazenda do Angico, e que servem de "bucha-de-canhão" nas guerras locais e de amantes baratas para os fazendeiros.
Divisão de episódios.
Por ordem temporal a divisão é a seguinte:
A fonte · Ana Terra · Um certo Capitão Rodrigo · A teiniaguá ·
A guerra · Ismália Caré · O sobrado |
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Autor:
por *Sergius Gonzaga |
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Observações:
* Professor de Literatura Sul-Rio-Grandense da UFRGS. |
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